Nesse artigo, José Monserrat Filho aborda o quanto é crucial para o Brasil desenvolver o estudo aprofundado de Política e Direito Espacial
“Enxergar o que está diante do nosso nariz exige um esforço constante.” George Orwell (1903-1950), escritor, jornalista e ensaísta político inglês. (1)
Dois eventos acadêmicos recentes mostraram claramente o quanto é crucial para o Brasil desenvolver o estudo aprofundado de Política e Direito Espacial, cujos problemas tanto afetam o mundo de hoje.São eles o 7º Simpósio de Sensoriamento Remoto de Aplicações em Defesa – SERFA 2016 (2), promovido em São José dos Campos, SP, no Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do Depto. de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) do Comando da Aeronáutico, de 24 a 27 de outubro passado, sob o tema central intitulado “Integrando Novas Tecnologias Espaciais para o Desenvolvimento Nacional”; e o IV Congresso Internacional de Direito Ambiental Internacional (3), sob o tema geral “Governança Ambiental global”, realizado na Universidade Católica de Santos, SP, de 26 a 28 de outubro, que, em boa hora, incluiu questões de Política e Direito Espacial.
O Simpósio SERFA abordou aspectos do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), novas tecnologias espaciais, como aplicações de pequenos satélites, e seu aporte ao desenvolvimento da nossa indústria espacial. O evento aproximou pesquisadores, órgãos de governo e empresas da área de defesa. Suas apresentações alinharam a Estratégia Nacional de Defesa (END) e as diretrizes do Comando da Aeronáutica (COMAer).
Eis alguns dos principais trabalhos apresentados:Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), do Cel. José Augusto Peçanha Camilo, da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE); New Space: Uso de pequenos satélites no sensoriamento remoto, de Carlos Gurgel, Diretor da AEB; O COMDABRA (Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro) como comando de emprego do Poder Aeroespacial, do Cel. Élison Montagner; Cubesats e oportunidades para o setor espacial brasileiro, de Rodrigo Leonardi, pesquisador do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE); Experiências adquiridas na operação de sistemas espaciais de sensoriamento remoto, do Capitão-Tenente Cledson Augusto Soares, Núcleo do Centro de Operações Espaciais Principal (nuCOPE-P) da Aeronáutica; NewSpace e o futuro das atividades espaciais, de José Bezerra Pessoa Filho, professor do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do DCTA; Os grandes desafios do Direito Espacial Internacional hoje, do autor do presente artigo; A militarização do espaço exterior como fator de inovação do Direito Internacional Humanitário: uma investigação comparativa, do Cel. Alexsandro Souza de Lima, do Estado Maior da Aeronáutica (EMAER); Atividades de Intelligence, Surveillance, Reconnaissance (ISR) na FAB (Força Aérea Brasileira), do Brigadeiro Paulo Eduardo Vasconcellos, do EMAER; Projeto Amazônia SAR e Atividades de Sensoriamento Remoto SAR no Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), de Edileuza de Melo Nogueira e Cristina Beneditti, do Censipam; SISFRONT (Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras) e Atividades de Sensoriamento Remoto SAR no Exército Brasileiro, do Major Engenheiro Cartógrafo Carlos Alberto Pires de Castro Filho; e Vulnerabilidades do GPS em aplicações de Defesa, do Cel. Lester Abreu de Faria, da Universidade da Força Aérea (UNIFA).
O Congresso de Direito Ambiental Internacional examimou – além de importantes temas específicos desse ramo do direito – as contribuições do Direito do Mar ao Direito Espacial, assunto exposto por Maria Helena Rolim, professora visitante do UN/IMO International Maritime Law Institute, Malta; a exploração industrial e comercial de recursos naturais de corpos celestes, como a Lua e asteroides – questão apresentada por Olavo Bittencourt Neto, professor da Universidade Católica de Santos; os grandes desafios do Direito Espacial hoje, tema discutido pelo autor do presente artigo; a política espacial brasileira como ensaio para a governança, ensaio da doutoranda Márcia Alvarenga dos Santos e do Prof. Olavo Bittencourt Neto; e a ajuda que vem do céu: o uso da tecnologia espacial para o atingimento de objetivos do desenvolvimento sustentável, trabalho dos estudantes Camila Marques Gilberto, Josiene Pereira de Barros, Lilian Muniz Bakhos e Patrícia Cristina Vasques de Souza Gorisch, todos da Universidade Católica de Santos.
E no entanto, Política e Direito Espacial não constam dos currículos das escolas e universidades, nos cursos de Direito, Relações Internacionais e Ciências Sociais e Humanas. E olhe que vivemos num tempo em que as atividades espaciais são indispensáveis à vida cotidiana de todos os países e povos, nas áreas de telecomunicações, inclusive a Internet, observação da Terra, monitoramento e proteção dos recursos naturais, no cuidado permanente com as cidades, o meio ambiente, a agricultura, a pecuária, as florestas, a água, os rios, os mares e oceanos, as mudanças climáticas e a previsão do tempo, a teleducação e a tele-saúde, as epidemias, a luta contra os desastres naturais e provocados, a defesa do planeta contra raios e objetos naturais e artificiais que caiam do céu, o conhecimento e o estudo da Terra e dos corpos celestes em todos os seus aspectos. O céu não é o limite das atividades espaciais, que nos colocam frente a frente com o que nos é mais próximo e mais distante, mais simples e mais complexo, mais fácil e mais difícil.
Cabe, ao mesmo tempo, salientar o papel especial do Direito no mundo contemporânio, que engloba, também e em particular, o Direito Espacial. O mestre Manfred Lachs (1914-1993), jurista polonês de renome mundial, um dos maiores internacionalistas do século XX, ex-Presidente da Corte Interncional de Justiça, de Haya, e ex-Presidente do Instituto Internacional de Direito Espacial, soube como poucos frisar esse papel. Ele escreveu: “No mundo atual, (…) a função preventiva do Direito tem uma imporância mais vital do que nunca antes. É preciso fazer os homens do mundo inteiro sentirem isso, a fim de incitá-los a abandonar um pouco o espírito paroquiano, passar-lhes o sentimento da existência de um interesse comum e de responsabilidade na aplicação do Direito na vida cotidiana das nações, fazê-los compreeder (…) que é melhor agir juntos, com sabedoria, do que cometer loucuras, em separado.” (4) Hoje isso tem alvo certo: o Direito Espacial.
O Brasil é país continental. Temos de zelar por uma área com mais de 12 milhões de km², que inclui o território nacional, suas águas territoriais e sua zona econômica exclusiva. Somos extremamente ricos em recursos naturais da mais alta relevância. Nossas florestas, a começar pela Amazônia, são fonte inesgotável de riquezas. A Floresta Amazônica cobre a maior parte da Bacia Amazônica da América do Sul. Abrange 7 milhões de km², dos quais 5,5 milhões são cobertos pela maior floresta tropical remanescente do mundo, e dispõe da maior biodiversidade do planeta. É um dos seis grandes biomas brasileiros. A região pertence a nove países. A maior parte dela, 60%, é do Brasil, 13% é do Peru e partes menores são da Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa). Agricultura e pecuária, juntas, são peças importantíssimas da nossa economia. Respondem por cerca de R$100 bilhões em exportações. Contudo, não preparamos devidamente a base humana necessária para aproveitar tamanhas vantagens. Nossa população, de mais de 200 milhões de almas, carece, nas cidades e mais ainda no campo, de assistência médica e de escolas de qualidade, sobretudo nos níveis fundamental e médio.
Todo esse quadro configura uma nação injusta e alheia a seu tempo, com um punhado de ricos, milionários e bilionários, ao lado de milhões de miseráveis, pobres, sacrificados e sofredores, com escasso acesso à saúde, à educação e à cultura, que levam uma vida difícil, quase sem perspectivas e esperanças. Uma nação que não aproveita racional e equitativamente suas riquezas e suas capacidades criativas. Que não ataca com determinação suas gritantes carências e insuficiências, e a necessidade intransferível de desenvolver em grande escala as áreas de educação, cultura, ciência, tecnologia, inovação e todos os avanços nestas áreas capazes de trazer mais bem-estar e felicidade para a população brasileira.
O espaço é uma dessas áreas essenciais. O mundo evidencia isso a cada momento. Não podemos continuar com programas espaciais civil e de defesa que não são prioritário, nem têm condições de atender às nossas demandas, algumas delas, aliás, absolutamente elementares.
Seguir ignorando, no governo, nas escolas, universidades e centros de pesquisa, e na mídia em geral, o debate estratégico sobre Política e Direito Espacial no século XXI é um atentado contra o futuro do país, de seu povo e, especialmente, das novas gerações – que hoje já sofrem com a falta de visão das lideranças políticas nacionais.
Estamos em pleno Século do Espaço. Contudo, ainda vivemos no século passado.
José Monserrat Filho é vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com
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