O professor Alexandre F. Souza, do Departamento de Ecologia da UFRN, usa as Teorias do Nicho, Neutra e da Quase Neutralidade para explicar o funcionamento da Natureza
Uma dúvida paira sobre o pensamento dos ecólogos. Nos últimos anos, diferentes teorias vêm tentando explicar o funcionamento da Natureza, com propostas bastante conflitantes. Por um lado, existem os defensores da explicação clássica sobre como as espécies de animais e plantas se distribuem nos ecossistemas, o Nicho. Segundo esta explicação, cada espécie ocorre onde encontra recursos e condições mais adequados para sobreviver e reproduzir. Assim, os ecossistemas, com sua grande variedade de microambientes, agem como filtros selecionando aonde cada espécie poderá ser encontrada. por exemplo, uma árvore sensível à seca e tolerante à inundação como o genipapo (Genipa americana)[1] seria encontrada nas margens de rios e áreas inundáveis, que agiriam como filtro ambiental para esta espécie.
Por outro lado, os cientistas também tem observado que muitas vezes uma espécie não ocorre nos locais que correspondem ao seu nicho. Muitas margens de rios não contém genipapos, que inclusive são ocasionalmente encontrados em áreas não inundáveis. Estes pesquisadores acreditam que a Neutralidade é a melhor explicação para a organização da Natureza. Segundo esta teoria [2], as espécies são capazes de crescer e sobreviver em muitos ambientes diferentes. Além disso, fatores aleatórios como a direção em que as sementes das plantas são dispersadas pelos animais ou pelo vento, ou que árvores exatamente são derrubadas por vendavais fariam com que fosse praticamente impossível prever a ocorrência das espécies com base no ambiente. A solução deste debate é importante para definir como a ciência explica a Natureza e, consequentemente, a biodiversidade.
Uma pesquisa recente, publicada por cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade Federal de Santa Maria na revista científica alemã PPEES [3] fez descobertas importantes que podem mudar o ponto de vista que temos sobre este assunto. Estudando florestas da Mata Atlântica em regiões montanhosas, os pesquisadores mediram o tamanho e posição das espécies de árvores em dez hectares de floresta, uma área equivalente a dez campos de futebol. Foram medidas no total mais de 9000 árvores. Além disso, eles mediram também a altitude, a cobertura de rochas no solo, a umidade do solo e o histórico de uso humano em 250 pontos diferentes. Para analisar os dados, a pesquisa inovou combinando técnicas diferentes e que normalmente não são usadas em conjunto, como modelos neutros (método estatístico para detectar padrões em dados complexos), análise da densidade da madeira, do tamanho das folhas e das sementes, e análise filogenética (estudo do parentesco entre as espécies).
Os resultados foram bastante surpreendentes. As espécies apresentaram claras ligações com fatores do ambiente, principalmente o histórico de uso humano, a cobertura de rochas e a umidade do solo. Este resultado confirma a Ecologia clássica baseada na idéia de nicho e filtro do ambiente agindo para organizar a distribuição das espécies. Ao mesmo tempo, resultados dos modelos neutros indicaram altos graus de aleatoriedade e dificuldade de previsão sobre que espécie ocorre em que ambiente. Assim, a neutralidade também foi confirmada, usando análises complementares.
Os autores concluíram que os dois pontos de vista são verdadeiros e que funcionam de forma complementar um ao outro: as espécies são filtradas pela variação ambiental e tem afinidades de nicho. Porém fatores aleatórios como a dispersão das sementes e a própria mudança ambiental ao longo dos anos fazem com que cada espécie nunca se encontre totalmente onde as condições e recursos são melhores para ela. A teoria que explica a Natureza através da interação entre Nicho e Neutralidade foi chamada de Quase Neutralidade. Este resultado ajuda a esclarecer porque as espécies nem sempre ocorrem em pontos favoráveis, além de também serem encontradas em pontos desfavoráveis, e ajuda a atualizar a concepção que a ciência tem sobre como a Natureza se organiza.
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Na teoria clássica do Nicho, uma espécie (representada na figura acima pelas árvores) é encontrada apenas no micro-ambiente que lhe é favorável (representado pelas áreas azuis). Na teoria Neutra, predominaria a aleatoriedade e a espécie é encontrada em qualquer local. Na Quase Neutralidade, a espécie tende a ser mais encontrada nos locais que lhe são favoráveis, mas fatores aleatórios fazem com que muitos indivíduos sejam encontrados em locais menos favoráveis enquanto que pontos favoráveis podem não ser ocupados.
Lembrete do autor:
Os números entre colchetes [ ] ao longo do texto são citações bibliográficas. Se alguma te interessar, procure na lista de Referências!
Se você quiser citar este texto, cite assim: Souza, A.F. 2016. Estudo conclui que a Mata Atlântica é quase neutra. Disponível em http://www.nossaciencia.com.br/estudo-conclui-que-mata-atlantica-e-quase-neutra, acessado em
Dr. Alexandre F. Souza é professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Suas áreas de interesse são Ecologia de Populações e Comunidades Vegetais, principalmente nas áreas da Biologia da Conservação, Ecologia de Populações e Estrutura Florestal, na vegetação litorânea do nordeste brasileiro e nas florestas do sul do Brasil.
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