Aconteça o que acontecer, a vida precisa prevalecer. Precisamos sair mais vivos e mais humanos desta guerra sem fim
Ainda em meio à quarentena (quando se discutia a reestatização das empresas aéreas) chegamos a conjecturar que o pensamento neoliberal privatista estivesse sob risco, que a humanidade iria migrar rumo às práticas saudáveis da agricultura orgânica, que o consumismo desenfreado seria repensado…Chegamos a sonhar com um mundo diferente no pós-corona. Hoje parece que esta leitura foi um ledo engano. A pouca paciência do mercado levou os governantes a abrirem suas cidades e levarem seu povo à lotação dos ônibus e aos leitos de UTI, em uma sociedade insana que contabiliza mais de um morto por minuto. Nosso meio capitalista continua pulsante e terrível, ávido pelas experiências do fascismo, ganhando características de insensibilidade à toda vida que não seja a sua própria.
A ascensão da intolerância é percebida por todos os lados: ela está no número crescente de negros mortos na favela, no concurso de “Miss Hitler” dos neonazistas, nos religiosos que preferem templos lotados a cidadãos protegidos. Ela está no enxofre cloroquinado que vem do hálito pútrido dos necropolíticos.
O fundamentalismo ignorante que preenche o planeta (e não apenas o Brasil) finge aplaudir a ciência enquanto anda de braços dados com o terraplanismo… As aparências serão mantidas até a bendita vacina. Depois disso…
Como poderíamos prever, esta é a reação adversa mais intensa de um longo período de desinformação e deseducação coletiva que faz das Universidades e Escolas ambientes cada vez menos favorecidos em termos de investimento e interesse.
Afinal, pensar é remar contra a maré. Este é o tempo em que amar o próximo contrasta com as contas astronômicas dos grandes templos. Ao invés de isolamentos temos agrupamentos – fazendo a máquina girar às custas do suado dinheiro do povo…
Em resumo, a poesia da quarentena (se assim poderíamos chamar aqueles devaneios) acabou. O planeta é pragmático e precisa de internet cada vez mais rápida e motoboys que voem para que a caixa chegue à sua porta o mais rápido possível. Eles (os motoboys) têm vida! Todavia os produtos precisam chegar.
Este retrato de um mundo seco, insensível, que mastiga o jantar enquanto houve estatísticas de mortos é o que temos para o momento. Ele é fruto de uma sociedade que faz protestos usando caixões, mitifica a ignorância e aplaude a manipulação dos dados.
Mas afinal, o que nos resta deste cenário apocalíptico?
Certamente continuar fazendo o que sabemos fazer. Os cientistas precisam trabalhar cada vez mais integrados. A ciência precisa ser mais humana, menos elitizada. A Universidade precisa ser revestida de significado social. Mais excluídos precisam ter a oportunidade de defender outros excluídos. Tudo isso para não deixar apagar a chama que arde contra o fascismo e todas as formas de degradação humana. Este é o momento em que toda e qualquer motivação é bem vinda (incluindo até os clichês de coaching) para que a nobre arte da resistência sobreviva.
Aconteça o que acontecer, a vida precisa prevalecer. Precisamos sair mais vivos e mais humanos desta guerra sem fim.
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Leia o texto anterior: Afrouxando o isolamento no Brasil
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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