De vitórias e conquistas a lentos passos, ainda há muito que a comunidade LGBTI+ conquistar
Por Walisson Araújo
Em toda a história da humanidade, é visível percebermos quais foram os corpos inivisibilizados e colocados às margens da sociedade, considerados como vidas marginalizadas e menos merecedores dos direitos básicos que deveriam ser comuns a todos e todas. Estamos circulados de signos que nos presentificam a todo o momento, tornando a história composta de significados que ao longo do tempo formularam os costumes que conhecemos hoje como ideais sociais, aprisionando corpos em estereótipos e invisibilizando os grupos minoritários que se recusam ao enquadramento nada plural.
Quando falo em corpo, não me refiro ao acordo institucional com a ciência biológica, mas, para além, como potência de si mesmo, entrelaçado entre passado e presente, formulado por uma síntese de errâncias dissidentes que por si próprio é possível de desestabilizar as condutas normativas da sociedade, pois nenhuma aparição do corpo, por mais inocente ou despretensiosa, é apolítica. Trazer o corpo para discussão, não como matéria que acaba na pele, mas que é multidimensional e que possui camadas, assim como feridas e marcas de um passado que se presentificam a partir de experiências, vivências, traumas e emoções cravados no corpo e na memória.
Quantas vidas ainda serão necessárias para o fim da perseguição à diversidade? Já não basta a quantidade de sangue derramado pelo preconceito? Junho, como mês do orgulho LGBTI+ é o mês mais colorido do ano, ou talvez possamos dizer que nem é tão colorido assim, na verdade quase não tem cor quando percebemos a realidade que atravessa a bandeira da diversidade. Em 2019, segundo o relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), 329 pessoas LGBT+ tiveram morte violenta, sendo 297 homicídios e 32 suicídios. Ainda de acordo com o GGB, as pessoas travestis e transexuais formam o segundo grupo mais atingido entre as vítimas fatais decorrentes de ataques LGBTfóbicos. É importante também lembrar que é impossível precisar o número de pessoas travestis e transexuais que foram mortas no país, pois nos dados das secretarias de segurança pública, os boletins de ocorrência não geram indicadores baseados em identidade de gênero e orientação sexual, mas apenas o seu nome de registro que lhe é imposto ao nascer.
Pelos direitos que já conquistamos e pelos muitos que ainda são necessários, não podemos aceitar em silêncio; precisamos nos rebelar e clamar, transcender quando necessário e gritar quando preciso. Em plena pandemia da Covid-19, no qual o Brasil está rumo a se tornar o epicentro mundial, é possível percebermos que as vidas que são deixadas para morrer, na necropolítica à brasileira, tem classe, raça, gênero e orientação sexual. A OutRight Action International lançou um relatório pioneiro no início de maio deste ano, o “vulnerability Amplified” – Vulnerabilidade Amplificada –, apontando os efeitos da pandemia nas pessoas LGBTI+, expondo uma imagem assustadora à ameaça predominante que esses grupos enfrentam referente ao aumento da insegurança alimentar e de abrigo, pelos motivos que as pessoas LGBTI+ estão super-representadas na economia informal, sem segurança de emprego, assim como a carência no acesso à assistência médica.
Então, neste mês do orgulho LGBTI+, nada mais importante que lembrar que dentro de uma crise, existem outras crises, então não podemos simplesmente nos calarmos e comemorarmos o mês mais colorido do ano, enquanto para milhares de pessoas não há cor em viver enfrentando o aumento da fome, da falta de moradia, de violência e até morte – que não é causada somente pelas complicações acometidas pelo coronavírus SARS-Cov-2 e devido os sistemas de saúde sobrecarregados –, como também pela opressão à diversidade e às minorias que não se enquadram no que o sistema impõe a todos e a todas.
Se opor às normas e ao preconceito é fazer uma revolução em si próprio, em sua comunidade, um movimento emergente interno e local, presente em meio a milhares de revoluções localizadas produzidas pelos corpos multiétnicos espalhados pelo mundo, agindo localmente e criando redes de apoio desestabilizadoras das normatividades na sociedade. O preconceito continua existindo, então é preciso continuar lutando pelos direitos à justiça e à liberdade, externalizando a sensação de cárcere do próprio corpo que clama pelo fim da guerra às minorias. Pelas vidas das Dandaras, das Marshas P. Johnson, das Marieles e de todos e todas que tiveram as suas vidas ceifadas pelo preconceito e pela opressão: lutemos!
Walisson Araújo é graduando em Jornalismo pela universidade Federal do Cariri e pesquisador em estudos de gênero, corpo e cultura popular. Em 2018, como parte da sua graduação esteve em mobilidade acadêmica na Universidade do Algarve em Portugal, no qual o período colaborou com os seus estudos nas ciências da comunicação. Atualmente atua como estagiário na TV Verdes Mares Cariri, afiliada da Rede Globo em Juazeiro do Norte, Ceará.
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