Poetry Slam: poesia marginal que possui letra e voz, criticando as desigualdades e empoderando a comunidade
Por Joana Mercedes
O poeta e dramaturgo inglês conhecido como o “Mayakovsky britânico”, Adrian Mitchell, afirmou: “a maioria das pessoas ignora a maior parte da poesia, porque a maior parte da poesia ignora a maioria das pessoas”. Este argumento nos remete à produção e, principalmente, à motivação de quem lê e realiza poesias. Para quê e/ou para quem se escreve poesia?
Durante muito tempo, a elite brasileira foi responsável pela fala das “margens” nos textos literários, independente do seu gênero. Uma classe dominante que, por dominar os padrões da norma culta da língua portuguesa, era “legitimada” a produzir arte literária. Ela não era apenas a responsável pela produção de poesia, como também por definir o que é ou não poético. Ainda hoje, nas aulas de literatura brasileira, trabalha-se didaticamente mais Camões que Racionais, apesar da população do Brasil estar imersa em uma realidade que se aproxima muito mais à dos Racionais que à do poeta português.
Há aproximadamente quatro décadas, com o movimento hip-hop que trouxe as suas rimas musicalizadas, enfatizando o “grito da favela”, produzia-se uma poesia feita pela periferia e para a periferia, que discutia a sociedade e criticava o sistema político. Foi um movimento artístico que conseguiu ganhar voz para além das comunidades, apesar de toda a opressão, exclusão e criminalização da periferia dentro dos espaços artísticos e urbanos.
O movimento hip-hop não parou por aí. Atualmente, existem poetas que lutam pelo seu lugar de fala, tanto na comunidade como fora dela, tornando-se os protagonistas da sua arte e da sua realidade, ressoando entre si e reverberando uma poesia transformadora, ultrapassando o épico, o lirismo e o drama que se espera do “texto poético”. No país, acontece um movimento cultural conhecido como o Poetry Slam, termo que se remete à “batida de poesia”, e ocorrem encontros entre pessoas das periferias para montar as “Batalhas de Slam”.
Nas “batalhas”, essas poesias faladas precisam ser autorais e existe um tempo para a recitação; não podem ser acompanhadas por instrumentos musicais e há um júri que pontua as apresentações. Geralmente as letras retratam a realidade das comunidades, expressando crítica e fomentando o empoderamento das populações que estão à margem da sociedade, como também as minorias. O que isso produz é representatividade, uma poesia contra hegemônica que contraria o sistema opressor e excludente que tenta a todo custo retirar a voz da favela, criminalizando a sua arte e encarcerando a sua fala.
A filósofa brasileira Djamila Ribeiro, na introdução de seu livro Quem tem medo do feminismo negro, retrata “a máscara do silêncio”. A filósofa relata momentos da sua infância e da sua vida adulta, mostrando as tentativas de fazer ouvir sua voz, bem como as muitas vezes que teve sua voz, seus sonhos e a sua vida silenciados por essa “máscara”. Em sua obra, a escritora oferece uma analogia realizada pela pesquisadora e professora da Universidade de Humboldt, Grada Kilomba. Esta faz um paralelo entre as pessoas que foram escravizadas e a máscara que eram obrigadas a utilizar cobrindo a boca, impossibilitando qualquer comunicação. Existe uma personagem brasileira que a maioria das pessoas conhece através dos livros de história, a negra Anastácia, uma mulher que foi escravizada e obrigada a trabalhar com uma espécie de capacete que continha uma máscara preenchendo internamente a sua boca e forçando, assim, o seu silêncio.
Esse silêncio se perpetuou por muitos anos no Brasil. Até os dias de hoje, as pessoas negras tentam destruir essa máscara simbólica, seja com a ocupação de espaços artísticos, de espaços de produção de conhecimento ou, ainda, de espaços profissionais. Hoje, dentro da academia e fora dela, existe um debate sobre a ocupação desses espaços pela população negra, que em sua maioria se encontra na periferia. Entretanto, é dentro da periferia, com as pessoas da comunidade, que são estimulados a representatividade e o sentimento de pertencimento.
O Slam é uma poesia que, em meio às “batalhas”, funciona como ferramenta de combate ao racismo, além de outras desigualdades sociais. Não podendo ser silenciado pelas opressões, no atual cenário brasileiro no qual tenta-se resgatar padrões hegemônicos de dominação, o Slam é um chamamento para a resistência de um povo, que outrora teve a sua boca “tapada”, mas que agora grita contra as desigualdades. Daí a importância da voz e da letra da favela.
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Leia a coluna anterior: Capitalismo, tempo e ancestralidade: Sejamos o tempo de esperança
“Epistemologias Subalternas e Comunicação – desCom, um grupo de estudos e projeto de pesquisa do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte”.
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