Capitalismo de multidão Disruptiva

quarta-feira, 29 abril 2020

A fórmula envolve a Academia, a Indústria & Comércio - sob a gerência do Estado -, promovendo o aprimoramento de nosso sistema econômico

Nestes dias de convivência interna-interna (sim, imersão contínua e concentrada em dois níveis: em casa e comigo mesmo), cujo nível de introspecção me fez pensar a Teoria W – que fala sobre nossos vieses “atrapalhantes” -, os quais dificultam nosso pensamento lógico, expandi o raciocínio dos vieses para perceber o óbvio, que nossa atual briga econômica-política-sanitária tem mais um viés, além dos científico-doutrinário-religioso: está mais para uma grande disputa maniqueísta de sistemas econômicos!

Sim, senhoras e senhores! Nunca vi tanto se falar em “povo”, “ciência”, “economia”, “gripe”, “fome”, “desemprego”, “ministros”, “governadores”, “prefeitos”, “presidentes” (Brasil, Câmara, Senado, STF etc.) sem uma defesa polarizada, como se existissem o bom e o mal de cada um destes substantivos. Não pretendo falar de todos individualmente, mas posso concluir que, de forma geral, o âmago da disputa mora entre o que é definido como “de esquerda” ou “de direita” e que, fatidicamente, tem por base os sistemas Socialista e Capitalista, respectivamente. E o que é mais interessante: não importa com qual sistema você se identifique, pois as figuras que acabei de citar lá em cima são univocamente definidas. Quem os polariza somos nós. Não faz sentido uma ciência de esquerda ou de direita. O mesmo para a fome ou o desemprego. São nossos vieses que colocam tudo isso em um dos dois lados.

Vasculhando na rede os conceitos de capitalismo e socialismo, e baseado em minha filosofia de que os antagônicos possuem uma mesma raiz, como explico em Vírus versus quebra da Economia: qual morte escolher?, o que sugere que em algum ponto existe uma solução (você não consegue ir do frio ao quente sem passar pelo morno, ou ir e voltar em uma linha reta sem passar pela velocidade zero), acredito na existência de um ponto em comum, um ponto de trégua, um ponto de pausa, um ponto de equilíbrio entre os sistemas. Parece então que a Covid-19 veio nos mostrar que precisamos encontrá-lo o quanto antes, de modo a diminuir o impacto letal dessa nossa condição dúbia.

Buscando por este ponto de equilíbrio entre os sistemas, usei as palavras-chave “sistemas compartilhados”, “empreendedorismo social” e cheguei a este interessante livro, “Economia compartilhada: O fim do emprego e a ascensão do capitalismo de multidão”, de Arun Sundararajan.

Forças contraditórias suscitam um equilíbrio.

Gostei do conjunto “capitalismo de multidão”. Então, mesmo sem saber o conteúdo, pois acredito que as startups têm algo a ver com isso, peguei emprestado o título para compor o artigo de hoje. Será que vou acertar? Depois eu compro o livro e vejo. 

Geneticamente, somos programados para competir

Os espermatozóides lutam para atingir o óvulo, forçando o melhor a chegar lá. No alvorecer humano, aqueles que juntavam mantimentos, seja coletando ou caçando, teriam maior probabilidade de sobrevivência na entressafra, quando o inverno ou verão chegassem. Do ponto de vista entre nações, as mais fortes sobrepujaram as mais fracas. Com a chegada da tecnologia, os que mais as entendia, conseguiam maiores retornos produtivos, cujo refinamento passou a ser obtido pela capacitação e criação de uma cultura científica, na qual a dedicação ao “papiro” aumentava as chances de riqueza, daí o porquê de estudarmos. Chegamos à era da informação, o “novo petróleo”. Domine os dados e você dominará a nova era. Fique parado e seja engolido ou conduzido.

E o que faz os humanos se mexerem? A comparação do status quo, meus caros, seja intra ou extra pessoal. Comparar, consequência do ato de medir onde estamos, onde queremos chegar e onde nossos pares estão, é o que nos impulsiona a mexer os neurônios. Comparar é, portanto, a semente da competição, um ente inerente à sobrevivência. Àqueles que não querem mexer os neurônios e ficam “rogando praga”, damos o nome de invejosos. A diferença entre invejoso e competidor é tênue, mas comparações com vistas à progressão própria são saudáveis, e faz com que os pares também se mexam e nos faz mexer de volta, de modo que todo o ecossistema em que estes “comparadores” saudáveis estão imersos cresce, produzindo mais e mais espaços de crescimento. É entrópico: quando maior a perturbação, maior o crescimento. Bom, essa é minha definição de competição e do porquê de acreditar que o esforço burila os próprios méritos. Como consequência, não acredito no Socialismo.

Como não acredito em sistema igualitário – pois os humanos são inerentemente diferentes e um Estado totalitário, mesmo sendo um ente abstrato, tende a assumir o perfil de quem o comanda, tornando-se facilmente corruptívele para que vocês não digam que sou tão “mau” assim, também conheço as anomalias e limitações que o capitalismo pode produzir. Não pela definição deste ou de qualquer outro sistema, mas porque acredito na ciência estatística e na distribuição normal. Ela mostra o quanto ainda precisamos aprimorar o conceito de capitalismo, quando consideramos as questões intrínsecas ao ser humano.

A Gaussiana

A distribuição gaussiana ou normal, “é uma das distribuições de probabilidade mais utilizadas para modelar fenômenos naturais. Isso deve-se ao fato de que um grande número de fenômenos naturais apresenta sua distribuição de probabilidade tão proximamente normal, que a ela pode ser com sucesso referida, e, portanto, com adequado acerto por ela representada como se normal fosse” (Wikipedia).

Curva “Normal” de distribuição da riqueza. (Fonte: www.mises.org.br).

O que tem a ver capitalismo, socialismo e a gaussiana? Explico: em uma economia com uma liberdade econômica plena, teríamos uma distribuição de renda próxima a uma gaussiana. Como citei acima, as pessoas são diferentes, o que leva a terem desejos, necessidades ou prioridades diferentes. Portanto, se pegássemos toda a riqueza do mundo e dividisse igualmente, em pouco tempo, surgiriam pobres, médios e ricos novamente, pois alguns esbanjariam tudo que recebessem, outras preservariam o patrimônio e outras ficariam ricas vendendo soluções para os esbanjadores e conservadores, formando novamente a gaussiana da figura. É normal! Desculpem o trocadilho. Ou seja: nossa condição idiossincrática forçaria a geração de competidores de todos os níveis, e, fatidicamente surgiriam negócios de todos os tipos, voltando ao capitalismo que temos hoje.

As anomalias próprias ao capitalismo fizeram com que alguns países propusessem o experimento chamado renda básica. A cidade suíça de Rheinau foi a que chegou mais próximo dessa implementação. Entretanto, um plebiscito realizado negou sua aplicação. Foi uma tentativa.

Startups, Inovação Aberta e Inclusão

Agora que coloquei meus argumentos, qual seria a proposta para aprimorar o capitalismo, levando-se em consideração a Covid-19, a contradição entre os sistemas econômicos, a competitividade e a gaussiana?

Admitindo-se como ponto de partida a gaussiana da figura, tem-se que 15% das pessoas precisarão ser atendidas quase que completamente pelo Estado. Os outros 85% poderão pagar por vários serviços/produtos. Estabelecem-se, então, duas economias: uma social e outra capitalista. Em Novos negócios, novos postos de trabalhos!, ancorado em Jeremy Rifkin, falo sobre o conceito de desmaterialização, de que estamos caminhando para o acesso ao invés da posse, o que tornou-se possível graças à lei de Moore, a qual nos diz que o grau tecnológico dobra a cada 18 meses mantendo o mesmo custo. Como consequência, o Brasil tinha 2 dispositivos digitais de comunicação por habitante em 2019, mostrando o poder de alcance social dessa tecnologia.

Onde eu quero chegar: a tecnologia conseguiu massificar dispositivos barateando-os ao ponto de promover uma inclusão social real. Isso também pode ser feito com várias outras tecnologias/ferramentas capacitantes, que podem dar acesso e condições a pessoas menos favorecidos de desenvolverem suas próprias startups, promovendo a inclusão dessas pessoas via empreendedorismo inovador. Como falei no artigo anterior, o GitHub faz uploads de milhares de app free por dia, cada um com potencial de criar uma startup, basta que para isso o vivente do outro lado tenha habilidades para utilizá-los. Tudo está disponível, mas a mensagem não chega a quem mais precisa.

O conceito de Inovação aberta, bem trabalhado pela Academia e Indústria, a primeira educando via WEB (estamos validando isso com a pandemia) e a segunda sugerindo os problemas a serem resolvidos (a paralisação está mostrando que a indústria terá de se reinventar em tempo real), poderia ser bancado pelo Estado, o fomentador desse tipo empreendedorismo, o qual forneceria meios de estender a Internet, equipamentos para os economicamente vulneráveis, educação e estímulo à indústria e comércio. Como consequência, esta multidão originalmente excluída e agora digitalmente capacitada, poderia ser atrelada a um programa de trabalho e ter seu MEI (Microempreendedor Individual) bancado inicialmente pelo Estado por um período de tempo determinado.

Finalizando…

É fácil falar em um documento digital. Mais difícil ainda seria de executar se eu não expusesse a ideia. Uma mobilização desse porte envolveria todos os setores da sociedade, mas os resultados seriam fantásticos. Veríamos a Academia, a Indústria & Comércio – sob a gerência do Estado -, promoverem o aprimoramento de nosso sistema econômico, gerando o capitalismo de multidão. Garanto que, ao final, nossos vieses agradeceriam.

Referências:

Renda básicahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Renda_b%C3%A1sica_de_cidadania

Comunicação em 2019 – https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/04/26/brasil-tem-230-mi-de-smartphones-em-uso.htm

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Leia a edição anterior: Novos negócios, novos postos de trabalhos!

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Gláucio Brandão

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