A transformação digital, o barco de Teseu e a transmutação Empreendedorismo Inovador

quarta-feira, 26 fevereiro 2020

Colunista mantém a linha filosófica e usa paradoxos clássicos para explicar como deveria ser uma transformação digital

De acordo com os feedbacks digitais que me alcançaram, a galera gostou muito do formato do artigo Um pouco de Filosofia para entender o ecossistema de Natalino. Muito obrigado! Para retribuir o afago do leitor, adianto um artigo que ainda estava maturando. Atendendo ao feedback, vou manter a linha filosófica e tentar enquadrar meu entendimento do como deveria se dar uma Transformação Digital (TD) de responsa.

Do excelente artigo da Wikipedia de título Transformação Digital, extraio seu conceito:

“Pode ser definida como um fenômeno que incorpora o uso da tecnologia digital às soluções de problemas tradicionais. Assim, abrange mudanças procedurais em diversos âmbitos de uma sociedade, isto é, essa transformação modifica o paradigma da utilização da tecnologia, por exemplo, das seguintes áreas: governo, economia, mercado de trabalho, educação, medicina, artes, ciência, comunicação global, entre outros. Além disso, a transformação digital tem como capacidade aumentar a integração entre diferentes setores da sociedade, sendo aplicado em assuntos relacionados aos problemas de administração pública”.

Em Ela está aqui: prepara-te!, abordo que a TD é imprescindível e inexorável. Lá escrevo:

“As tecnologias não se propõem a transformar somente um único aspecto da condução de seus negócios, mas todos e de forma perene. As regras estão mudando deveras e muito rapidamente. Se alguns anos atrás mostrar modernidade era dizer que entendia de Canvas, (…) para não parecer retrógrado, você tem de entender de Canvas Analógico, Canvas Digital e como migrar de um para o outro. Mas isto é assunto para outra aula. Portanto, supera!”

Essa aula chegou! Pretendo mostrar que a TD tem de acontecer por um caminho radical e de risco, termos que definem as startups, as novas commodities do momento. Grifei a palavra “migrar”, pois ela será o ponto central de meus argumentos. Como mote filosófico, utilizarei o paradoxo do Barco de Teseu. Garanto que a viagem será massa. Naveguemos…

O barco de Teseu

Saltando os vocativos e tautologias booleanas inerentes aos filósofos, vamos direto à jornada. 

Paradoxo do Barco de Teseu

Teseu parte de navio do ponto A para o ponto B. Ao longo dessa viagem de 50 anos, vai substituindo cada peça do barco conforme o desgaste, até que todas tenham sido trocadas. As peças são jogadas ao mar. 

Paradoxo I: pode-se dizer que o navio que chegou em B é o mesmo que saiu de A?

Como filósofo é um “bicho” complicado, além de não terem resolvido até hoje esse paradoxo, vem outro e bota mais “lenha” no barco. A coisa ganha então esse rumo:

Paradoxo do Carniceiro

Seguindo Teseu havia um outro barco, que se apropriava das partes atiradas ao mar e as utiliza para se reconstruir. Ele – o barco Carniceiro – ao chegar no porto é um navio composto de 100% das partes que compunham o navio de Teseu. Os dois navios aportam lado a lado, com horas de diferença, na mesma doca.

Paradoxo II: o Carniceiro é o navio original de Teseu?

Nosso Barco de Teseu

No site da How stuff works descobri que todas as nossas células, com exceção de 2% (algumas especializadas do cérebro) são trocadas entre 7 e 10 anos. Outro dado interessante é que, em 2 anos, todos os nossos átomos são 100% trocados e obtidos do lugar em que você transitou. Resumindo: sou um ex-pernambucano, já que estou no RN há 14 anos. Brincadeiras à parte, onde eu quero chegar: o “eu”, referindo-se a meu ego, sofreu infinitas transformações, dadas às experiências aqui vividas. Entretanto, meu corpo material – na verdade meu barco – sofreu perto de 7 transmutações, a conversão de um elemento em outro. Não é uma transformação, mas um salto de nave. Então observem: sou ou não sou o mesmo cara que partiu de Pernambuco há quase 25 anos? E meus átomos, minhas células que foram descartadas, se alguém as pegasse – o Gláucio-Carniceiro – poderia reconstruir um eu? Psicodélico, diria Salvador Dali!

Pois bem: o eu original, de alguma forma, reside nos 2% imutáveis, aqueles formados pelas células neuronais da memória.  Esses 2% são uma espécie de “Teseu”, cujo propósito “aportar em Atenas”, permaneceu constante durante os 50 anos. Longe de mim querer resolver tal paradoxo milenar, mas temos que diferenciar Teseu do barco, propósito de ferramenta. Nesse caso, o “eu” do “nosso corpo”. E, aproveitando a deixa, o “staff da empresa” da “própria empresa em si”! Observe que nosso corpo original foi descartado para que pudéssemos evoluir mentalmente. Portanto, o propósito foi mantido. Do contrário, apodreceríamos.

Ordem Imaginada e um exemplo: a própria UFRN

Em A ordem imaginada e o branding sensorial  escrevo:

“(…) não se pode apagar a UFRN. A marca (UFRN) não morre, pois rompeu a barreira material e implantou-se no imaginário coletivo. É difícil mexer num imaginário coletivo, pois é um tipo de pensamento criado por muita gente, por muito tempo e de forma pensada”.

As universidades, aos muitos, estão migrando para o ciberespaço. Segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), “a modalidade à distância, conhecida como EAD, deve superar o ensino presencial em 2023”. Se a UFRN quer continuar existindo, mantendo seu propósito, sua ordem imaginada, terá de fazer a transmutação e abandonar esse corpo pesado, que hoje é do tamanho de uma cidade com 50.000 habitantes. Apenas transformar-se não será garantia de sobrevivência. Portanto, não adiantará aprimorar processos, criar cursos, contratar bons professores, desenvolver projetos de extensão supimpas ou insistir em pesquisas básicas infindáveis, sem metas. Se não promover a transmutação digital, verá seus potenciais alunos migrarem para cursos online, que já possuem potencial de empregabilidade maior do que muitas universidades presenciais, informação que pode ser encontrada em The 6 Best Free Online Artificial Intelligence Courses Available Today. Falo aqui de Google, Stanford, Columbia, Nvidia, MIT e outros que entregam ao caboclo, no final, um canudo em english de verdade, podendo este boy or girl ser hired (contratado) lá, e não aqui.

Uma empresa é uma ordem imaginada, mas não imutável. Se não promover sua própria TD, desaparecerá em breve. Ao insistir em promover sua transformação de forma lenta, dará chance aos carniceiros de comê-la viva. O salto tem de ser quântico.

A Transmutação na prática e o momento de mudar de barco

Em recente bate-papo IncaaS-CDL, recebemos de sua diretoria a seguinte estatística: dos 50 maiores pagadores de ICMS do RN de 1976, só 13 continuam na lista. Temos em um horizonte pré-TD de 44 anos o saldo de 26% de sobreviventes. Vejam que interessante: vários futurólogos de negócio prevêem a morte de 70% das empresas que não atentarem para a TD até 2030. Quase o mesmo índice de sobrevivência (30%), só que em um tempo menor devido à velocidade de transformação imposta pela tecnologia. Resumindo, você será sabotado pelo Mercado; disto eu tenho certeza! Resta-lhe a primazia de escolher quem fará isto. E a pergunta óbvia: por quê não você mesmo? 

O esforço para promover a TD na própria empresa será descomunal: imagine modificar todos os processos ao mesmo tempo em que se tem de capacitar todos os funcionários para as novas regras, mantendo a produção atual – que não poderá ser interrompida – a la consultoria convencional. Isto implicará em jornada dupla, funcionários sobrecarregados, desmotivados e infelizes. É como trocar o pneu do carro em movimento sem que os ocupantes percebam. Por este motivo, as startups estão “batendo” as empresas já estabelecidas, pois a estática é um mal nesse mundo de alto giro. Por este motivo também, mais de 70% das empresas falham em promover a TD. A frase de Klaus Schwab do Fórum Econômico Mundial: “Estamos saindo de um mundo no qual os grande engoliam os pequenos para um mundo em que os rápidos comem os lentos”, poderia ter “(…)  os rápidos em se transmutarem comem os mais lentos em fazê-lo”. Ou seja: não tem nada a ver com tamanho, mas velocidade.

Sugiro um caminho radical e arriscado: destaque um “grupo de sabotagem” de sua empresa e dê a este condições para desenharem um bote salva-vidas. Coloquem ele no mar revolto e veja como se comporta. Quando um destes bote vingar, será o momento de saltar de seu barco que, com certeza, já deve estar indo a pique. Você acabou de criar a startup que te sabotaria ! Massa, né não?   

Temos que transformar a cabeça (transformação) mantendo os 2% e mudar o corpo (transmutação), perseguindo a ordem imaginada original. A empresa só entenderá a TD assim que o corpo for transmutado. Não há outro caminho. Têm-se que jogar no “oceano vermelho” velhos hábitos, valores analógios e conservadores, de modo a despistar os carniceiros. Eles que utilizem esses pedaços como queiram.

Finalizando…

Durante 50 anos, Teseu manteve-se o mesmo CEO, com os mesmos propósitos, guiando a mesma tripulação, mas em uma nova nau. Ele transformou-se; o barco transmutou-se. Essa foi a estratégia. Sem isso, não teria aportado. Como empresa, seu propósito mínimo é sobreviver, garantindo o emprego de seus colaboradores e a entrega de produtos à sociedade, gerando impostos, cuja reversão em recursos manterá a dinâmica social. Portanto, transmute-se! Migre!

Olha aí, Comandante Leonardo Patriota: Transmutação é melhor do que Transubstanciação!

Referências:

Artigo Transformação Digital

Paradoxo Barco de Teseu

Site How stuff works

ABMES

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Leia a edição anterior: A Economia dos viéses versus a Business Intelligence (BI)

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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