A valorização exagerada com relação a tudo que é produzido fora do Brasil é um problema cultural que atravessa gerações e também ocorre na ciência
Ainda na década de 50, Nelson Rodrigues definiu o conceito de complexo de vira-lata:
“Por complexo de ‘vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face ao resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.”
Embora a crônica tenha sido direcionada ao futebol, ela terminou por ser generalizada para o modo de viver do brasileiro. Na ciência, por exemplo, este complexo é completamente verdadeiro. Diferentes relatos demonstram que brasileiros depuseram contra brasileiros indicados ao Nobel (ou como diria Tom Jobim: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”).
Mesmo nos dias atuais, há uma valorização exagerada com relação a tudo que é produzido fora do Brasil em detrimento ao que é feito “dentro de casa”. É evidente que a internacionalização é muito importante para a ciência brasileira – aliás, a China soube usar muito bem o intercâmbio para evoluir aos patamares atuais. A experiência do programa Ciência sem Fronteiras, por exemplo, seria muito exitosa se tivesse maior envolvimento da pós-graduação. E é justamente deste programa que um grande exemplo do dito complexo: vários estudantes bolsistas se reconheciam muito mais com uma nação que conheciam há meses do que com o próprio Brasil. E buscaram, em muitos casos, formas de não mais retornar ao Brasil, mesmo sendo financiados com dinheiro brasileiro.
E este problema tende a crescer se nossos gestores tentarem convencer o povo de que são uma raça inferior, que vivem em condição de desigualdade por sua própria culpa. “Se trocássemos o povo brasileiro pelo povo X…” quem nunca ouviu esta comparação…
Este, de fato, é um problema cultural que atravessa gerações. E que não será resolvido simplesmente levantando uma taça ou ganhando uma medalha olímpica. A questão do pertencimento do povo a seu país é resolvido quando este povo se sente capaz de resolver seus próprios problemas. Isso quer dizer que o caminho das pedras leva a uma ciência forte, feita por brasileiros. Não adianta vestir a camisa da seleção e gritar forte o hino nacional… Precisa gostar dos brasileiros e ser parte de tudo isso. Trabalhar em prol da coletividade, tendo o sentimento de que se é parte do povo.
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Leia o texto anterior: Carbono: esse elemento essencial
Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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